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EXECUÇÃO ESPECÍFICA DO CONTRATO-PROMESSA

 

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Entende-se por contrato promessa a convenção pela qual ambas as partes ou apenas uma delas se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados alguns pressupostos, a celebrar o contrato-promessa prometido.

Através do contrato-promessa cria-se a obrigação de contratar, ou, mais precisamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato-prometido.

Porém nem sempre as partes cumprem as sua obrigações. Aprecie-se a situação em que o promitente-vendedor, em lugar de cumprir a obrigação de celebrar o contrato prometido, aliena a terceiro a coisa objecto do contrato antes de registada a acção de execução específica que o promitente-comprador pode intentar contra o promitente-vendedor.

Acerca da matéria eleita, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu dois acórdãos opostos sendo idênticas as situações de facto.

Foi interposto recurso para tribunal pleno do Acórdão do S.T.J. de 28 de Junho de 1994, proferido no processo n.º 85.357, da 1ª Secção, com o fundamento de estar, quanto à mesma questão fundamental de direito, em oposição com o Acórdão de 15 de Março do mesmo ano proferido no processo n.º 84.601, da mesma Secção.

Perante o incumprimento do contrato-promessa por uma das partes, em ambos os processos, os autores pretenderam obter sentença judicial que produzisse efeitos de declaração negocial que aos réus cometia, dado que nas situações em apreço o promitente-vendedor , em lugar de cumprir a sua obrigação de celebrar o contrato-prometido, alienou a terceiro a coisa objecto do contrato-prometido, antes de registada a acção de execução específica, intentada pelo promitente-comprador contra o promitente-vendedor

Do processo em que foi proferido o acórdão recorrido, consta que os réus (Srs. PV´s), por contrato de 21 de Janeiro de 1988, prometeram vender aos autores (Srs. PC´s) uma habitação, mas que, a 29 de Dezembro de 1988, a venderam a um terceiro (Sr. T). Este, por sua vez, não registou a aquisição e os autores (Srs. PC´s) fizeram, por apresentação de 30 de Janeiro de 1991, o registo da acção que intentaram contra os réus para a execução específica do contrato-promessa.

Srs. PV´s celebram contrato-promessa de compra e venda com os Srs. PC´s – 1.01.88Srs. PV´s vendem a habitação ao Sr. T, que estava prometida aos Srs. PC´s – 29.1.88

Sr. T não regista a aquisição na Conservatória do Registo Predial

Srs. PC´s propõem acção judicial contra os Srs. PV´s.

Srs. PC´s registam a acção judicial na Conservatória do Registo Predial

 

 

No acórdão recorrido, primeiro caso, entendeu-se que o registo de acção tem como finalidade demonstrar que a partir da sua feitura, nenhum interessado poderá prevalecer-se contra o registante dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente, ou, adquiridos antes, tenha negligenciado o seu registo.

Do processo em que foi proferido o acórdão fundamento, consta que a Ré (Sra. PV) prometeu ceder ao autor (Sr. PC), por contrato de 13 de Agosto de 1988, uma quota que possuía numa sociedade, e que, por contrato de 20 de Julho do mesmo ano, lhe prometeu ceder a parte ou percentagem que lhe havia ou viesse a ser adjudicada da quota que a mãe possuía naquela sociedade.

Entretanto, cedeu a um terceiro (Sr. T) as quotas que havia prometido ceder ao autor (Sr. PC). O Sr. PC registou a acção que intentou contra a Ré (Sr.ª PV) para execução específica do contrato-promessa. Só depois das quotas cedidas.

Sr.ª PV celebra contrato-promessa de cessão de quota com o Sr. PC – 13.08.88Sr.a PV cede as quotas ao Sr. T, que estavam prometidas aos Sr. PC

Sr. T não regista a aquisição na respectiva Conservatória

Sr. PC propõe acção judicial na Conservatória do Registo Predial

Srs. PC´s registam a acção judicial na Conservatória do Registo Predial

No acórdão fundamento, segundo caso, entendeu-se que o registo da acção não confere ao autor o direito à execução específica, na hipótese de, antes daquele registo, a coisa ter sido alienada a um terceiro, mesmo que este não haja inscrito o negócio aquisitivo no registo.

Assim, tiveram as duas acções destinos diferentes. É, portanto, manifesta a oposição entre julgados proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a igual questão fundamental de direito.

Na hipótese em consideração, a acção de execução específica é intentada pelo promitente-comprador (Sr. PC) contra o promitente-vendedor (Sr. PV), não sendo demandado o terceiro adquirente (Sr. T).

O promitente-vendedor, em lugar de cumprir a obrigação assumida no contrato-promessa, aliena a terceiro a coisa objecto do contrato prometido. Ao assim proceder, o promitente-vendedor cai na situação de impossibilidade de cumprimento, por culpa sua. O promitente-vendedor não pode tornar a vender o que já deixou de ser seu, isto é, vender a coisa pela segunda vez, vender coisa alheia, receber o preço duas vezes, aproveitando-se da circunstância de aquele terceiro (o primeiro comprador), Sr. PC, ainda não haver logrado proceder o registo da aquisição.

Perante a impossibilidade de cumprimento, com culpa do promitente-vendedor (Sr. PV), outra prestação não pode o promitente-comprador decepcionado pretender que a indemnização. O direito do promitente-comprador tem simples carácter obrigacional e não está sujeito a registo.

Os casos em análise, em que o contrato-promessa não tem eficácia real, dá lugar a conflito entre o direito de crédito do promitente-comprador, destituido de eficácia “erga omnes”, e direito de real do terceiro adquirente da coisa e não a conflito entre direitos reais.

Estamos perante uma questão do foro do direito civil e não do direito registral. O que se regista nos termos do Código de Registo Predial são as acções e as decisões. Não é o direito de crédito do autor, ou seja, do promitente-comprador.

O registo da acção não confere eficácia real ao direito de crédito, que não é, ele próprio, objecto de registo. A eficácia do direito de crédito do promitente-comprador em confronto com o direito real do terceiro é regulada pelo direito civil, sem que o registo da acção nela interfira.

A sentença transitada em julgado não atinge terceiros, não demandados na acção, que hajam adquirido direitos anteriormente ao registo.

Neste sentido, foi acordado no S.T.J., concedendo provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido, para ficar a valer o decidido pelas instâncias, e em firmar jurisprudência nos seguintes termos:

“A execução específica do contrato-promessa sem eficácia real, nos termos do artigo 830.º do Código Civil, não é admitida no caso de impossibilidade de cumprimento por o promitente-vendedor haver transmitido o seu direito real sobre a coisa objecto do contrato prometido antes de registada a acção de execução específica, ainda que o terceiro adquirente não haja obtido o registo da aquisição antes do registo da acção” (Acórdão do S.T.J. – Processo n.º 86.931, 2.ª Secção). 

Margarida Grave, Advogada 

Jurista da ALP